terça-feira, 7 de dezembro de 2010

Regabofe do Futebol

Depois de ser afagado pelo aplauso de quem não gosta, a famosa vaia, durante a abertura oficial da premiação do Brasileirão 2010, no teatro Municipal do Rio de Janeiro, Ricardo Teixeira subiu para um camarote ao lado do presidente Lula, do governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, do prefeito do Rio, Eduardo Paes e do Ministro dos Esportes, Orlando Silva. E lá ficaram o tempo todo, todos juntos. Fosse nos velhos e bons tempos, o audaz guerrilheiro Zé Dirceu e seus aliados não perderiam uma chance com essa para mudar o Brasil.

Mostrando que, cada vez mais o Brasil sabe menos de futebol, o time dos melhores do campeonato ficou formado por tres jogadores do Corinthians, terceiro colocado; dois do Cruzeiro, vice e dois do Fluminense, campeão. Vasco, Santos, Grêmio e São Paulo completaram o selecionado.

Mais inconveniente do que Andrés Sanchez do Corinthians que tentou ser engraçado, foi o rei da tapioca, Orlando Silva que tentou ser político. Usou o palco iluminado para fazer um discurso mal-disfarçado em prol de sua permanência no Ministério do Esporte.

Boa desculpa: centenário do Corinthians
Sanchez não conseguiu terminar o que mal começara a dizer. Foi defenestrado do pequeno púlpito com uma gentil homenagem da platéia que, aos gritos de "sem ter nada", "sem ter nada", tripudiava o centenário do Corinthians. Foi sutil como um elefante numa sala de cristais. Respondeu que seu time voltou "pela porta da frente". Ele quase saiu pelos fundos do cenário.

A premiação teve dois grandes erros: 1) deu a Conca o troféu de craque do campeonato. Bolas, Neymar só falhou este ano quando demorou para mandar Dorival Júnior para o Atlético de Minas; 2) elegeu Muricy Ramalho, o melhor técnico do Brasileirão - uma injustiça, deveriam ter-lhe dado o premio de melhor do mundo de todos os tempos: fez o Fluminenses ser campeão.

A festa corria com todo mundo jogando pra torcida, quando os caras de pau de pernas curtas entraram em campo e fizeram das coxias do futebol um palanque pornopolítico. Sabe-se lá porque, dessa vez, ninguém conseguiu nem sequer roubar a cena. Nada foi roubado, a não ser a nobreza do esporte, uma vez mais surrupiada.

A pandilha não tem pena. Sem mais o que pegar para justificar a inauguração de uma nova promessa, voltaram ao título do México, em 70 e reuniram quase tudo que restou da Seleção de Ouro em cima do palco. Como a memória brasileira - olá Millôr - "vai só até à Missa de 7° Dia", fingiram que esqueceram Pelé e a Copa de 58, a que escancarou as portas para o penta mundial.

O País do Futebol fez uma festa sem o Rei do Futebol. Sem o Atleta do 2° Milênio. Só o mundo inteiro não entende como isso é possível. A CBF sabe. Talvez seja por isso mesmo que, apesar dos pesares, o Brasil é penta. Talvez seja por isso mesmo que já não é decacampeão.

E lá estavam os campeões de 70, tremulos- muito mais pelo tempo do que pela emoção que os organizadores do evento queriam sugar dos velhos craques para repassar à platéia e aos telespectadores. Pelé não estava. Quem é rei, sempre será majestade. É como dizia o slogan de uma dessas centenas de rádios Cultura: - Quem é bom não se mistura.

Pois foi nesse momento solene que um arauto oficial lançou a pedra fundamental de mais uma proposta: a criação do Fundo de Pensão dos Atletas Profissionais, sob o singelo e sutil sentimento de evitar que eles andem pedindo dinheiro e cadeiras de rodas por aí - "já que a carreira é curta".

Lastimável ver aqueles craques de bola, vestidos de terno e gravata, sapatos apertados sem o conforto das traves nos pés, abraçando políticos de cartola como se fossem gente como a gente. Foi de uma ternura infinda ver João Havelange beijando aqueles senhores todos mais velhos do que ele, transformando-os em comendadores de fitinhas no pescoço. Foi o "bicho" da rodada.

Reprodução/Div.CBF
No fundo, no fundo, Pelé não foi ao regabofe dos cartolas que garantem o pão de cada dia dos descamisados e pés descalços porque sua carreira vai muito bem, obrigado. E, principalmente, porque, embora não pareça, ele é mais supersticioso do que Zagallo. Lula, decerto, iria lhe dar um abraço. Pelé não gosta de viver perigosamente. Não usa band-aid no calcanhar.

Ao fim e ao cabo, a festa serviu para o lançamento oficial da carreira de Ronaldo Fenomeno como cartola de chuteiras. Ainda de chuteiras. Logo elas estarão como coisas comuns dependuradas na sala da diretoria do Corinthians. É corintiano, louco; louco de corintiano. E tem bala na agulha pra chegar a tanto. Mais que um ex-goleador, é um novo mecenas do futebol. Andando com quem anda, ele que se cuide para não sair com uma mão na frente e outra atrás.

Na festa de 2014, quem sabe lá, não será um dos homenageados por Havelange com um beijo e uma comenda no pescoço.